A população de favelas no Rio de Janeiro enfrenta uma “bomba invisível” de consequências após operações policiais de grande escala, como a Operação Contenção, considerada uma das mais letais dos últimos anos. A avaliação é do professor José Claudio Sousa Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), especialista em violência urbana e segurança pública.
A Operação Contenção, realizada recentemente nos complexos do Alemão e da Penha, resultou em inúmeras mortes, pânico generalizado, fechamento de comércios, escolas e postos de saúde, além de interdições viárias e transporte público alterado. Os impactos imediatos e de longo prazo são devastadores, com corpos expostos nas ruas e comunidades em luto.
As consequências para a saúde mental e física dos moradores são alarmantes, segundo o professor Alves. “As pessoas ficam com diabetes, hipertensão, distúrbios emocionais, distúrbios mentais, não dormem, têm AVCs [acidente vascular cerebral], inúmeras complicações de saúde, problemas de visão, glaucoma. É uma bomba invisível”, afirma.
Uma pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) corrobora essa análise, mostrando que moradores de favelas mais expostas a tiroteios têm um risco duas vezes maior de desenvolver depressão e ansiedade, além de apresentarem quadros de insônia (73%) e hipertensão arterial (42%). Muitos relatam sudorese, falta de sono, tremor e falta de ar durante os confrontos.
Uma moradora do Complexo do Alemão, Liliane Santos Rodrigues, que perdeu o filho em uma ação policial, expressou sua dor e solidariedade às famílias afetadas pela Operação Contenção. “Estou sentindo a dor dessas mães. Foi um baque muito grande ver que um rapaz foi morto no mesmo lugar em que o meu filho morreu. Tem três dias que eu não sei o que é dormir direito”, relatou.
Os complexos do Alemão e da Penha são considerados redutos do Comando Vermelho, facção criminosa com atuação em diversos estados. No entanto, a presença da criminalidade não pode obscurecer o fato de que mais de 110 mil pessoas vivem nesses locais e são diretamente impactadas pelas operações policiais.
Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), ressalta que as operações, apesar de prisões e apreensões, não desmantelam a estrutura do Comando Vermelho, mas traumatizam a população. “Quem serão impactados serão as famílias, as pessoas assassinadas, serão os moradores daquele território que ficaram traumatizados para sempre”, diz.
Especialistas defendem que o combate ao crime organizado deve ir além das operações policiais, focando em desmantelar as estruturas financeiras das facções e em oferecer oportunidades para a população vulnerável. O secretário de Polícia Civil reconhece que a droga representa uma pequena parte do faturamento das facções, sendo a exploração econômica do território a principal fonte de receita.
Para José Claudio Sousa Alves, é crucial investigar para onde vai o dinheiro do tráfico e quem são os operadores por trás das ações criminosas. Além disso, é fundamental criar oportunidades de trabalho e estudo para os jovens, evitando que sejam cooptados pelo crime organizado. Carolina Grillo destaca a importância do Pronasci Juventude, programa do Ministério da Justiça e Segurança Pública que oferece apoio para estudos, capacitação e inserção no mercado de trabalho.
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br
